Yellow Umbrella

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Diego, o fabricante de guarda-chuvas


Diego havia herdado de sua família uma fábrica, na verdade uma oficina, grande o suficiente para tê-lo feito rico. Nesta oficina, podemos ver máquinas que auxiliam na confecção de guarda-chuvas, guarda-sóis e sombrinhas. Ele de fato se orgulha muito do nome de sua fábrica.

"Helianthus"

Significa "girassol" em grego, o fundador da fábrica, seu avô, era obcecado por este idioma, e Diego herdou essa obsessão. Desde os tempos de escola já tentava aprender o idioma, até que na juventude, antes de se casar e se juntar a um partido esquerdista, fez finalmente um curso. Visitara a Grécia com a mulher muitas vezes, e como amava aquele país! Se ele tivesse filhos com certeza levaria-os para as férias de verão e falaria apenas grego com eles, mas sabe-se que o casal não pode gerar descendentes. Qual dos dois é estéril, não sabemos. É algo que os dois guardam para a intimidade, sábio da parte deles. 
Diego nunca foi do tipo que expressava claramente os seus sentimentos, a rotina administrativa da fábrica o deixou um homem frio, calculista, prudente e precavido. Ninguém sabia ao certo do que se tratavam seus sentimentos, nem mesmo seu melhor amigo (se é que este existia), nem mesmo seus pais, nem mesmo sua esposa. A vida no ramo dos negócios o ensinou, que homem sentimental, não tem um caminho de sucesso.
Certo dia, ao voltar pra casa, teve de puxar o freio bruscamente. Para que seu carro não atropelasse uma menina morena, que atravessava a rua correndo, seguindo seu balão amarelo fujão. O impacto foi inevitável, por mais que Diego tivesse tentado impedir, o carro acabou por colidir com o leve corpo da criança... Saiu do carro ás pressas e foi verificar a garota, estava estendida, parecia estar viva... tinha apenas alguns arranhões. "Graças a Deus", pensou Diego, mesmo sendo ateu convicto. Lá adiante via os pais da menina, vieram desesperados, a moça levava um cachorro na guia.
- Meu Deus! Minha filha!! - a mãe se ajoelhou e foi logo tentando reanimar a menina.
- O que o senhor fez com ela? - o pai veio tirar as satisfações.
Diego foi logo se explicando, que a menina tinha atravessado a rua repentinamente, que a culpa não tinha sido dele, etc. A garota acordou às primeiras lambidas do cachorro, e logo mais a tarde, o casal e Diego já eram conhecidos. Descobriram que moravam perto e assim que Diego foi pego desprevenido, de certa forma tinha exposto seus sentimentos... foi sem querer! Ao pôr-do-sol comprou mais um balão amarelo para a garotinha, essa aliás, era sua cor favorita.
Certa manhã, Diego via a menina ir para a escola da janela de seu quarto. A pequena era tão adorável! Ela e sua irmã mais velha, esta por sinal tinha um ar amedrontador!

"Daqueles de irmã mais velha bem malvada!"

Diego se pegou pensando nessas coisas tão infantis e riu-se, quando na verdade deveria estar se aprontando para o trabalho e cuidando de "coisas de adulto".
No caminho foi pensando, em tudo, sobre Clarissa, sobre não poder ter filhos, sobre herdeiros...

"Quem vai cuidar da Helianthus depois que eu morrer?"
"E se...?"
"Não, de forma alguma. Isso seria extremamente insensato.."
"Mas... e... !!" 

Os meses foram passando, as duas famílias se tornavam cada vez mais próximas. Diego descobriu até que o sobrenome deles era "Sá", quem diria... "Sá"... ! Um sobrenome tão simplório!
Diego e o sr. Sá saiam aos finais-de-semana com outros amigos, fundaram um clube de pesca. Sua mulher e a sra. Sá tomavam chá juntas, faziam compras e indicavam novos remédios para o rejuvenescimento da pele!
Diego, aos poucos foi se tornando um homem mais doce, gentil... A relação do casal se tornou mais estável, parecia que realmente agora, eles sabiam o significado do amor, de ser uma família. Foi então que pensaram em adotar uma criança, mas o plano não foi adiante, já que a filha dos Sá passava boa parte de seu tempo livre na residência do casal. A esposa de Diego ensinava piano para a menina nos finais de tarde, e Diego a ensinava grego todos os domingos. Isso quando não estavam juntos, regando flores ou assistindo filmes antigos de comédia.
Mas foi no aniversário de doze anos da filha dos Sá, alguns anos mais tarde, que Diego resolveu dar um presente especial: um guarda-chuva feito artesanalmente. Não era daqueles que são feitos pra quebrar, ou virar do avesso ao primeiro pé de vento! Não... Esse era forte, especial, e ao mesmo tempo leve. E o melhor de tudo, tinha um nome gravado em baixo relevo:

Clarissa de Sá

Dizem que até hoje a menina presenteada anda com seu guarda-chuva exclusivo, por aí...

domingo, 23 de setembro de 2012

Lectum


Ela se encontra deitada em sua cama, a dor de cabeça não a deixou dormir esta noite. Depois daquela visão, a do acidente, não tem dormido direito.
Fernanda é ateia, mas nesse momento poderia rezar para a primeira entidade espiritual que a oferecesse o cessar daquelas malditas dores-de-cabeça. Ultimamente ela comia de forma desregulada, ou não comia. Seu interesse sexual, se estivesse ali era quase nulo. Ela nunca sentiu atração por homens, e o pouco de interesse por meninas que ela tinha estava desaparecendo. Também sentia lapsos de memória, partes do dia que simplesmente não lembrava o que tinha feito. Todos esses problemas poderiam atrapalhar a sanidade mental de qualquer um, mas Fernanda só se tornou mais criativa. Quando sentia que as dores viriam, ela rapidamente apanhava um lápis e escrevia sobre pensamentos aleatórios ou fazia desenhos na parede de seu quarto, estes eram psicodélicos demais pra quem nasceu nos anos 90. Exercia suas habilidades artísticas até que o sono fosse maior que a dor, então dormia.
O trabalho a estressava, todo o dia a mesma coisa. Secretária de um escritório qualquer no centro da cidade, detestava aquele emprego. Talvez ali, naquele escritório fosse onde poderíamos encontrar sua única amiga: Marcela, a ruiva estagiária. As duas sempre conversavam sobre coisas banais, Marcela sempre foi do tipo tímida e Fernanda sempre gostou de incitar esse tipo de timidez. Não mantinham muitos interesses em comum, mas o lugar e o estresse da rotina obrigavam-as a socializar.
A faculdade era o que a mantinha viva, seu professor favorito a havia elogiado, dizendo que ela conseguira "encontrar a alma do personagem" no último ensaio. E isso a movia. Mas talvez não devesse se importar tanto com os estudos agora, sair com os colegas de vez em quando, se divertir pra variar. Eles sempre vão a uma boate aos sábados, a Yellow Night. Quem sabe se ela visitasse a tal boate num final-de-semana qualquer? Poderia convidar Marcela para não se sentir tão sozinha lá... 
Todos esses pensamentos passavam pela cabeça de Fernanda, deitada em sua cama. Desta vez não encontrou seu lápis de escrever coisas aleatórias ou seu pincel de pintar desenhos psicodélicos, só lhe resta pensar... até que durma e acorde bem novamente.


"Yellow Night"
"Por que este nome?"
"As pessoas devem vestir  amarelo?"
"Eu poderia até levar aquele guarda-chuva..."
"Bem, nunca se sabe quando pode chover nesta cidade..."
"Eu mesma presenciei estas chuvas repentinas..."
"Naquele dia..."




E assim, Fernanda dormiu.